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Mônica Waldvogel fala de sua amiga Marilu

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Entre a semana de moda de Milão e a de Paris, este texto, e presente, da querida e perspicaz,  Mônica Waldvogel, fala de Marilu e coloca o deslumbramento pela moda em guarda.

 Síndrome Pós Fashion Week

A mulher mais elegante que conheço é minha amiga Marilu, uma artista plástica argentina. Aos  setenta anos, ela usa o mesmíssimo figurino há um tempão. Quase sempre está de preto, à vontade em batas, blusas e vestidos folgados na medida justa, com decotes que fazem perfeita moldura para sua fantástica coleção de colares. O segredo da harmonia, diz ela, é o sentido de proporção.

Os cabelos finos e avermelhados são presos num coque na nuca, os olhos piscam pintados de preto e uma bolsinha de veludo pendurada no percoço permite que o maço de cigarros, na altura da cintura, fique à mão e não no fundo das bolsonas que carrega. É uma figura almodovariana mas, ainda assim, à maneira dela e não de um diretor.

 

Moramos no mesmo quarteirão. Encontro Marilu na calçada.“Bonita essa sua roupa.”, me diz. Agradeço mas ela retruca com sua sutileza portenha: “Não é sempre que você acerta. Hoje está muito bom”.

 

Querida amiga, por que você faz isso comigo?

 

Sou do tipo que liga mais ou menos para moda – o que significa não dar a mínima, numa parte do tempo, para o que se está usando. E, na outra, achar  meu guarda-roupa um tremendo equívoco e pensar que tudo dentro dele tem de rumar para o lixo. Longe de ser um ataque de futilidade, é quase uma crise existencial.

 

Esses períodos de inadequação aguda costumam acontecer logo depois de um encontro com Marilu, claro. Mas também ocorrem durante as semanas de moda no Rio e em São Paulo. Há um conflito curioso entre a natureza desses dois eventos. Um diz respeito à singularidade chique de uma pessoa única como minha amiga, sendo ela própria uma obra artística e, portanto, portadora de um estilo inacessível a uma mortal comum. Já o outro, um coletivo de lançamentos para o próximo verão ou inverno, carregam as promessas de renovação das possibilidades que acompanham a fantasia de toda nova estação.

 

O drama se instala porque sei que mesmo se alguém me presenteasse um guarda-roupa inteiramente novo, mesmo que me dessem um cartão de crédito sem limite e a Oscar Freire para explorar de cabo a rabo, ainda assim não saberia o que fazer.

 

Ter um estilo e ser fiel a ele é uma escolha excludente demais. Significa desistir de tudo o que estiver fora do paradigma adotado. E isso é ou não limitação aborrecida nessa vida dura?

 

Um vestido é um vestido é um vestido, da mesma forma que uma rosa é uma rosa é uma rosa, como no verso famoso de Gertrude Stein. Ou seja: um vestido é uma coisa e é também todas as emoções nele contidas no momento em que foi tirado da arara, embrulhado em papel de seda e metido numa sacola.

 

Um vestido é um cenário completo e também o protagonista de um enredo, a habitar a silenciosa espera da passagem da virtualidade para a vida real. Essa seda lustrosa vai refletir os olhos do homem amado, esse negro profundo inaugurará madrugadas vertiginosas, o vaporoso crepe dançará sobre a pele bronzeada nas escadas de um hotel à beira-mar. Por aí vai.

 

Com exceção da Marilu, quase todas as mulheres que conheço fazem essa operação de transferência dos devaneios para as roupas que compra e estoca. Foi por isso que encontrei a explicação para essa   sensação tão feminina de estar diante de um guarda-roupa lotado e não ter o que usar. Tantos vestidos esticados nos cabides à espera da realização perfeita das fantasias de sua dona não podem sair por aí desfilando na prosaica passarela da necessidade.

 

É o que explica também por que tantas roupas ficam velhas sem jamais serem usadas. Com suas costuras, bordados e babados impregnados de  planos e sonhos, acabam tristemente saindo da vida da gente, mais cedo ou mais tarde, como fazem os amores fracassados.

 

Declamo por aí cheia de falsa certeza minha formula dos três Es do estilo: adolescentes extravagantes, jovens adultas elegantes e, depois dos sessenta e cinco anos, excêntricas. A excentricidade é uma meta para garantir a velhice divertida, capaz de atrair companhia de todo tipo para um drinque no fim do domingo e noitadas alegres de vez em quando. Lá vêm as roupas e seus projetos outra vez.

 

O problema é que, é preciso começar a percorrer um caminho a partir de certo ponto. No meu caso, é este aqui em que me encontro enquanto encaro o bolor dos planos de tardes mornas no Caribe, jantares românticos sob a lua no Quênia ou noites ao ar livre na ópera de Verona. Fora com todas as roupas que têm etiquetas desse tipo! Chega um tempo em que é preciso estar sempre vestida como a Marilu, para o que der e vier, aqui e agora.

 

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