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Retratos de família, por Costanza Pascolato

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No meu baile de debutante com meus pais em 1957 em São Paulo.

Retratos de família

O Dia dos Pais já passou, eu sei, mas pra mim, a data foi um ótimo pretexto para revelações emocionantes _ e ainda muito recentes. Ao rever fotos de meu pai, Michele, enquanto procurava uma imagem para homenageá-lo no Instagram, pude, além de aplacar saudades daquelas que permanecem para sempre, entender com nitidez rara outras questões pessoais e familiares.

Em Cortina D’Ampezzo em 1942 comigo.

Foi como se eu pudesse reencontrá-lo. Primeiro, o encantamento com um acervo valioso de centenas de fotografias de família. E a lembrança de que mantemos esse legado porque, já no começo do século passado, tivemos a sorte e o privilégio de registrar tantas situações marcantes numa história que começa na Europa e chega ao Brasil. No caso das fotos, tudo com a qualidade de uma autêntica Leica que, desde os anos 1930, registrou uma espécie de “fotobiografia”, realizada pelo olhar de meu pai, excelente fotógrafo amador.

Em Cortina D’Ampezzo na mesma época com as calças esportivas que usavam.

Além disso, ele tinha alma _corpo e porte_ de esportista. Remava, jogava tênis, montava cavalos com destreza incomum, vencendo frequentemente aquelas provas dificílimas de obstáculos fixos.

Esta é uma foto de meu pai remando informalmente, porque ele participava de corridas, junto com outros atletas do clube de regatas de Veneza.

Era também um piloto corajoso, que suportava longas distâncias, inclusive em tempos de guerra, naqueles monomotores com estrutura de tela acabamentos de madeira (!). E, para completar, tocava violoncelo (um precioso Guarnieri Del Gesù), além de ter um gosto refinado e erudito pela música que fez questão de me passar desde pequenina. Rever essas imagens foi como que entender a complexidade e a riqueza de uma personalidade ao mesmo tempo forte e sensível, num homem pleno de traquejo social. Idealista na política, papai aprendeu, por formação pessoal ou acadêmica, todos os protocolos diplomáticos, regras e sutilezas para estar em ambientes extremamente formais, entre autoridades, não importa se fossem reis ou rainhas. E constato, agora ainda mais, quanta coisa aprendi com ele: da adrenalina e do gosto pelo esporte na adolescência _ e que sobrevive como disposição plena depois dos 70…_ à educação como demonstração indispensável de respeito pelo outro.

Em Veneza, numa gondola levando minha tia Franca para a igreja para casar.

Tenho a impressão de que a lembrança de meu pai me parece hoje renovada e mais intensa porque estive numa longa temporada na Italia por insistência de minha filha Consuelo, que vive em Firenze com meus netos Cosimo e Allegra, para que pudéssemos, por mais tempo, desfrutar de “quality time” juntos.

Estar na Toscana, voltar a Veneza, rever a casa onde papai nasceu e viveu, visitar o cemitério onde suas cinzas foram depositadas, entender as origens, agradecer pelo retorno a elas pela escolha de Consuelo, que também sugeriu que escrevesse este texto, foi para dizer o mínimo, uma experiência mágica.

Em Julho deste ano (2014) visitando o túmulo de meu pai em Veneza com a minha neta, Allegra.

Nesta especial circunstância de minha vida, os sons, os sabores, os perfumes, os aromas, a memória dos afetos, os sentidos que transcendem as épocas pela vivência ou pelas imagens, tudo isso reconstrói a lembrança de Michele, meu pai. Este é um momento muito especial e raro pra mim. Que tenho, agora, até certo prazer ao constatar, com o distanciamento que vem com o tempo, que minha mãe, Gabriella, tinha, sim, razão quando apontava semelhanças físicas entre papai e eu. Ainda que não as enxergasse no passado, agora me reencontro, até fisicamente, na figura, nos traços, na testa que franze e no jeito do homem tão especial que ele foi _ e sempre com orgulho imenso de ser sua filha.

Aqui no Rio de Janeiro em 1951 com minha mãe, conhecida no Brasil como Dona Gabriella.

Costanza Pascolato

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