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Minha Avó, Dona Gabriella, por minha irmã, Alessandra Blocker

Minha irmã escreve como poucas pessoas que conheço.  Dia 12 de Junho foi aniversário da minha avó.  Esta é uma linda homenagem.  Espero que vocês gostem!

‘Ela foi a fofinha menos fofa que conheci’, diz a neta de Gabriella Pascolato

por João Luiz Vieira
Paulo Freitas

 

A data passou despercebida para a maioria dos fashionistas que circularam pela SPFW na última terça-feira (12). Não permaneceu incólume, porém, para a família Pascolato. Se viva fosse, Gabriella, mãe de Alessandro e Costanza, avó de Consuelo, Alessandra, Luca e Gabriella, e bisavó de seis adolescentes/crianças, faria 95 anos.

A neta mais discreta da industrial italiana, Alessandra Blocker, resolveu escrever sobre Gabriella, morta há dois anos, no dia do aniversário da avó. Publicamos aqui no E+ não só o texto desta semana, exclusivo, como também um outro que a sócia da Editora Jaboticaba escreveu no dia que a avó partiu em direção a Miki, como Alessandra trata o avô.

Quem circula há mais tempo pela Bienal do Ibirapuera lembra daquela senhora de cabelos brancos, usando sempre um tailleur fechado de cores sóbrias e sapatos escuros, segurando o braço da primogênita, Costanza, a maior papisa da moda brasileira hoje.

Engana-se, porém, que ela era uma fofa como os apressados pensam que todo idoso é. Os mais atentos percebiam que era educada, sim, porém, por trás dos passos lentos, provocados pelo passar do tempo, estava uma mulher altiva que criou a família com rigor e firmeza de caráter.

Antes de apresentar os textos da neta, vale registrar que Gabriella foi uma das mulheres mais importantes para a consolidação da indústria têxtil no País. Ela foi dona da Santaconstância, uma das principais fornecedoras de tecidos para o bilionário mercado em questão.

Gabriella fugiu da Itália em 1946, por conta da perseguição aos fascistas, com Costanza, 4 anos, Alessandro, 2, e uma babá suíça, Blanche Raval. O marido, Michele, advogado e ministro do ditador Benito Mussolini, ficou no país natal. Ressalva: os Pascolato atravessaram os Alpes a pé, e ficaram num campo de refugiados na Suíça.

Sobre o espinhoso tema, a mãe de Costanza dizia que eles nunca tiveram convicções fascistas. “A política para meu marido era um dever. Michele era um idealista, um homem bom, que sempre ajudou muita gente, inclusive judeus”, afirmou.

Após resgatar o marido, Gabriella atravessou o Atlântico e aportou por aqui um ano antes de Christian Dior lançar o The New Look, modelo que trouxe de volta a imagem da mulher elegante e feminina no pós-Guerra. A visionária percebeu que, ali, viria o alicerce para um novo conceito de moda. Ela e o marido abriram, assim, a Santaconstância. Acertaram no alvo. O resto é história.

Aqui, o texto que Alessandra Blocker escreveu sobre a avó no dia de sua morte:

 

Um amigo me falou que quando alguém próximo morre, dá a sensação de que as peças de nosso tabuleiro foram mexidas. Fica tudo fora do lugar. 

Um dia acordei, me dei conta de que nunca mais iria visitar o 10º andar da Rua Rio de Janeiro (para mim a Rio de Janeiro só tem um prédio) e percebi que no meu tabuleiro ficou faltando a Rainha. Aquela peça que é mais alta do que as outras (no sentido figurado), vê tudo em volta, sempre sabe o que está acontecendo, se move para todos os lados e te tira de uma enrascada. Rainha da moda, Rainha da Santa e, acima de tudo, Rainha da família.

Dona Gabriella não escolheu ser Rainha, a vida lhe deu esse papel, e ela o assumiu sem titubear. Afinal sua família precisava dela. Como toda Rainha que se preze, ela foi bonita, inteligente, elegante, trabalhadora, incansável, atenta. E também foi durona, mal humorada, ranzinza, pois as Rainhas têm de ser fortes. Muitas vezes pessoas que não a conheciam direito me disseram: “Sua avó é tão fofa!”. Eu me calava e dava risada, pois “fofa” ela não era. Desde que me conheço por gente me lembro de ouvi-la dizer: “Sou sempre eu que tenho que fazer tudo nessa fábrica, família, casa”. Ou simplesmente virar os olhos , balançar a mão e dizer: “Já te expliquei que…”. E ela tinha razão. Era sempre ela que fazia as coisas, resolvia problemas, cuidava, à sua maneira, da família. Mas o que podíamos fazer? As Rainhas são mais rápidas, mais ágeis, mais articuladas.

Agora ela está com o Miki, e eu sigo sem minha Rainha. É preciso. A vida continua e a última coisa que ela gostaria é que eu me entregasse ao marasmo. E se não era bom aborrecer Dona Gabriella em vida, imagine contrariar seu fantasma! Então reorganizo minhas peças, monto estratégias, pois partidas são ganhas mesmo sem a Rainha. Afinal, como toda boa Rainha, ela foi generosa e sempre guiou seus súditos, dividiu o que sabia para que nós pudéssemos continuar sem ela. 

“The Queen is dead, long live the Queen!”

E agora, o texto que a neta escreveu para pontuar os 95 anos de Gabriella Pascolato:

Em 1971, meus pais se separaram. Minha mãe, Costanza, apaixonou-se desesperadamente por outro homem, resolveu deixar tudo para trás, e viver essa história de amor. Na verdade, como bem disse minha irmã Consuelo, acho que ela deixou mais do que queria e esperava, pois nessa época nós morávamos no Rio de Janeiro, e ao sair de casa e mudar-se para São Paulo, ela também perdeu nossa guarda. Consuelo tinha sete anos e eu quatro.

 

Como falei anteriormente, Costanza deixou tudo para trás e teve de recomeçar a vida do zero. Procurar um emprego, buscar uma carreira, montar uma casa. Ela tinha pouco dinheiro e morava numa casa minúscula. Eis que, quando vínhamos visitá-la, ficávamos na casa de meus avós Gabriella e Michele. Eu adorava! Aos quatro anos não tinha muita percepção além do fato que me sentia bem. Hoje vejo como eles se esforçavam para dar às nossas vidas caóticas um pouco de estabilidade.

Cada um trabalhava umas 300 horas por dia, mesmo assim tinham tempo de nos dar atenção e de organizar a casa para nós. Em nosso quarto, sobre cada uma de nossas camas, tinha um quadro com o retrato de uma menina. A da Consuelo se parecia mais com ela, e a minha, comigo. Só agora, enquanto escrevo e lembro que assim que minha avó se foi a Consuelo fez questão de levar seu quadro para a casa dela na Itália e colocá-lo em lugar de destaque na sua sala, é que me dou conta do quanto nossos finais de semana na casa de meus avós foram importantes para nós.

São memórias difusas: as histórias de um tal Ulisses, que meu avô contava antes de dormirmos (anos depois fui descobrir que ele nos contou a Odisséia toda); as brincadeiras de esconde -esconde no apartamento; a caça ao ovo na Páscoa, em que meus avós escondiam os ovos nos compartimentos secretos de seus móveis centenários; os cavalinhos de pau que fazíamos a partir dos rolos que sustentavam os tecidos da Santaconstância; as comidas que sempre eram nossas favoritas.

Ontem foi o aniversário de Dona Gabriella, o segundo que passo sem ela. Postei uma foto sua no Facebook e a enormidade de “curtir” e comentários é um pequeno reflexo do quanto ela foi amada. Fiquei pensando na essência de Dona Gabriella, a fofinha menos fofa que conheci. Na verdade a vida toda ela foi muito durona. (Ela precisava ser assim pois sempre foi o alicerce da família.) O que me veio à cabeça foi solidez. Ela era uma pessoa sólida de caráter, de coragem, de generosidade, de dignidade. Até hoje, quando me sinto perdida e angustiada penso nela e em como ela superou todas as suas dificuldades (infinitamente maiores que as minhas) para levar adiante a história da família.

Eu acredito em vida após a morte, em parte também por causa da Nonna, mas ao olhar para a família Pascolato, em como ela cresceu, ao olhar para os bisnetos maravilhosos, não posso deixar de ver que ela também vive ali: nos olhos do Gabriel, na determinação da Isabella, na bondade da Carolina, na vaidade da Micaela, na força de caráter da Allegra e na sagacidade do Cosimo.

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