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Maneirismo: à maneira do autor!

E a segunda parte do post de astrologia sobre Urano e maneirismo pela Prof. Luciene Felix Lamy.

As nove musas são filhas de Mnemósyne (memória) com o soberano do Olimpo, Zeus (Júpiter, Giove). São elas: Urânia (celeste, astronomia e astrologia), Calíope (bela voz, eloquência), Thaléia (festividade, bom humor, abundância, comédia), Terpsícore (dança), Polyhymnia (música sacra), Melpômone (canto, poesia trágica), Euterpe (música, alegria, júbilo), Kleio (história, confere fama, glória) e Érato (encanto, desejo e poesia lírica).

As nove musas são filhas de Mnemósyne (memória) com o soberano do Olimpo, Zeus (Júpiter, Giove). São elas: Urânia (celeste, astronomia e astrologia), Calíope (bela voz, eloquência), Thaléia (festividade, bom humor, abundância, comédia), Terpsícore (dança), Polyhymnia (música sacra), Melpômone (canto, poesia trágica), Euterpe (música, alegria, júbilo), Kleio (história, confere fama, glória) e Érato (encanto, desejo e poesia lírica).

Entre o Renascimento (períodos Trecento, Quatrocento e Cinquecento já tratados no Consueloblog) e o Barroco (AQUI), eis o Maneirismo!

Esse movimento que ocorre entre 1525 e 1600, trazendo o estilo mais livre e solto será denominado “Maneirismo”, do italiano “Maniera” (estilo, no sentido de elegância). Mas, paradoxalmente, não se espante se considerar alguns elementos desse estilo artificiais, deformados, um tanto “esquisitos”, meio que fugindo de toda aquela perfeição, daquele esplendor idealizado (e realizado!) pelos renascentistas. Antecessora do Barroco, o Maneirismo causa algum estranhamento. Sim, mais liberdade, era essa a ideia!

Alguns de seus exponenciais foram Giovan Battista de Jacopo, Il Rosso Fiorentino, pisciano de 8 de março de 1495-1540; Jacopo Carucci Pontormo, geminiano de 24 de maio de 1494-1557; Girolamo Francesco Maria Mazzola – Parmigianino, capricorniano de 11 de janeiro de 1503-1540; Agnolo Bronzino, escorpiano de 17 de novembro de 1503-1572 e o veneziano Jacopo Robusti Tintoretto, taurino de 29 de abril de 1519-1594.

Giorgio Vasari também enveredou para o maneirismo: confiram o altar da Igreja de Santa Maria Novella, em Florença. E o escultor Giambologna também imprimiu o Maneirismo à sua arte (O rapto das Sabinas, AQUI ). No entanto, o Maneirismo não se limitou à Itália, pois também tivemos maneiristas alemães, franceses e holandeses.

Bem, época de contradições, os 75 anos que separam o Alto Renascimento (1525) do Barroco (1600) foram considerados como um período de crise que deu origem a várias tendências que rivalizavam entre si, e não a um ideal dominante.

O significado original do termo era um tanto sarcástico e preconceituoso (agora sabemos porquê) e designava um grupo de pintores de Roma e Florença cujo estilo conscientemente “artificial” derivava de certas características de Rafael (AQUI) e Michelangelo (AQUI).

Recentemente, o Maneirismo foi reconhecido como parte de um movimento mais amplo que situava a “visão interior”, conquanto subjetiva e fantástica, acima da idêntica autoridade da natureza e dos antigos. Os primeiros sinais do Maneirismo surgem com alguns jovens pintores florentinos, pouco antes de 1525. Vamos a eles!

Em cerca de 1521, Rosso Fiorentino, o mais excêntrico membro desse grupo, com a obra “A Descida da Cruz” expressou essa convicção em si mesmo. No final de sua carreira, Rosso deixou a Itália para integrar a corte do rei Francisco I da França, em Fointainebleau (1º centro de prática do maneirismo). Rosso deve esse nome ao tom ruivo de seus cabelos. Embora haja quem diga que tenha cometido suicídio, é provável que tenha morrido de causas naturais, dizem os estudiosos.

 

“A descida da Cruz”, Rosso Fiorentino (1521). Pinacoteca de Volterra, Itália.

Segundo H.W. Janson e Anthony E.Janson, não estávamos preparados para o impacto provocado por essa teia araneiforme que se expande contra um céu escuro. Embora agitadas, as figuras também são rígidas, como se estivessem congeladas por uma súbita rajada de vento glacial. Até mesmo as roupas tem planos de pouca elasticidade e extremidades abruptas. As cores ácidas e a luz brilhante, mas irreal, reforçam a atmosfera de pesadelo da cena. Aqui está algo que equivale a uma revolta contra o equilíbrio clássico da arte do Alto Renascimento – um estilo visionário profundamente inquietante e voluntarioso, que reflete uma ansiedade cujas raízes são bastante profundas, afirmam.

Pontormo, também de Florença e amigo de Rosso, era tímido e introspectivo: dizem que se trancava em seus aposentos por semanas a fio, recluso e inacessível até mesmo aos amigos. Excêntrico, seu caráter neurótico e retraído revela-se em seu diário, que descreve os detalhes de seu dia a dia de maneira quase obsessiva. Bronzino foi seu discípulo. Sua mais famosa obra “A deposição da cruz” (1525-1528) é o altar-mor da Capela Barbadori (de Brunelleschi) na Igreja de Santa Felicità, em Florença.

“Estudo de uma jovem”, Pontormo (1526). Galleria degli Uffizi, Firenze.
Sensível, seus desenhos refletem bem essa faceta de sua personalidade. Em “Estudo de uma jovem” vemos que a moça contempla o espaço com certa tristeza. Esse olhar parece estar a observar com certa distância, como se estivesse constatando algo. Já enxergamos o subjetivismo na obra.

Bem, temos então os “anticlássicos” Rosso e Pontormo, basilares nessa primeira fase do Maneirismo, que foi substituído por outro aspecto desse movimento.

Esse novo aspecto era menos abertamente anticlássico, menos carregado de emoção subjetiva, mas também (e ainda assim) distante daquele mundo estável e repleto de certezas que vimos no Alto Renascimento.

“Autorretrato”, Parmigianino (1524). Museu de História da Arte, Viena.
Será que Parmigianino queria mostrar que não existe uma realidade única e “correta”, e que a distorção é tão natural quanto a aparência normal das coisas?

Essa obra de Parmigianino não sugere qualquer perturbação psicológica; o artista tem um aspecto meigo, é gracioso e está bem vestido, envolto num sutil esfumado que lembra Da Vinci (AQUI). Mas as distorções também são objetivas e não arbitrárias, pois o retrato registra o que Parmigianino via ao olhar-se num espelho convexo. Por que este fascínio por essa visão “através do espelho”?

Anteriormente, Johannes Van Eyck (AQUI), que tinha utilizado o mesmo recurso como um complemento à sua observação, havia “filtrado” as distorções. Mas Parmigianino substitui a pintura do espelho por algo o próprio espelho, usando até mesmo um painel convexo especialmente preparado.

Giorgio Vasari conta que Parmigianino, que morreu com apenas 37 anos (em 1540), obcecado pela alquimia, deixou barba e cabelos crescer e ficou num desleixo total. Sua estranha imaginação é evidente em sua obra mais famosa: “Madona do Pescoço Comprido”.

“Madona do Pescoço Comprido”, Parmigianino (1535). Galleria degli Uffizi, Firenze.
Aqui vislumbramos aquele algo de “artificial” para o qual o termo Maneirismo foi cunhado originalmente. Essa obra é uma visão da perfeição sobrenatural e sua fria elegância não é menos instigante que a violência da “Descida” de Rosso (acima).

Depois de vários anos em Roma, Parmigianino regressa à Parma, sua cidade natal (por isso seu nome, Parmigianino) e executa essa magnífica obra! Diz-se que ele estava impressionado com toda aquela graciosidade rítmica de Rafael Sanzio, mas resolveu transformar as figuras do velho mestre em um novo e extraordinário gênero: seus membros alongados e com a suavidade do marfim, movem-se com um langor sem esforços, corporificando um ideal de beleza tão distante da natureza quanto as figuras bizantinas.

Os críticos chamam a atenção também para o cenário, igualmente arbitrário, com uma série de colunas gigantescas (e aparentemente sem sentido) que surgem por trás da pequena figura de um profeta: “Parmigianino parece determinado a não permitir que avaliemos qualquer coisa, nessa pintura, segundo os padrões da experiência comum”.

Vinculada a um gosto sofisticado e até mesmo refinado, a fase “elegante” do Maneirismo italiano atingiu particularmente os mecenas aristocráticos como o Grão duque da Toscana Cosimo I de Medici e o Rei Francisco I da França, tornando-se logo internacional. 

“Eleonora de Toledo e seu Filho Giovanni de Medici”, Agnolo Bronzino (1550). Galeria dos Ofícios, Florença.

Bem, fato é que o estilo Maneirista produziu esplêndidos retratos, como o de Eleanora de Toledo, esposa de Cosimo I de Medici, feito por Agnolo Bronzino, pintor da corte de Cosimo. A modelo, aqui, aparece como membro de uma nobre casta social, e não como uma personalidade individual; congelada em imobilidade por trás da barreira de suas vestes profusamente adornadas.

Por mais predicados que reúna, uma estrangeira nem sempre é bem recebida fora de suas terras. Uma belíssima jovem, altamente instruída, patrona das artes e uma das percursoras da alta costura utilizada em prol político para retratos de Estado, a bela espanhola Eleonora de Toledo (nascida em Salamanca) era culta, refinada, rica e nobre (seu avô era primo de ninguém menos que o rei Fernando de Aragão, consorte da reina Isabel de Castilla!), no entanto, ela não fora benquista de imediato pelos florentinos. Mas não é que matrimônios políticos (arranjados), às vezes, davam certo? Apaixonada e virtuosa, Eleonora deixou o marido, Cosimo I de Medici a seus pés: “Ele a ama tanto, que jamais sai sem ela (a menos quando vai à igreja), e goza da reputação de homem deveras casto”, conta o inglês William Thomas. Seus restos mortais repousam na Basílica de São Lourenço, em Florença.

“Uma alegoria de Vênus e Cupido”, Agnolo Bronzino (1572). National Gallery, Londres.

Maravilhoso exemplo do Maneirismo, eis uma cena bizarra, carregada de erotismo (ele inspirou-se na poesia erótica de Petrarca) e bastante polêmica! Vênus (Afrodite) volta-se para beijar Cupido (Eros), que afaga seu seio esquerdo. Ela segura uma seta de ouro e uma maçã. Saturno (Chronos), o deus do Tempo (vejam a ampulheta no ombro dele), descortina a cena.

Ao lado de Cupido, o Ciúme, em desespero, aperta o próprio crânio. Há uma figura mascarada que do alto contempla a cena, o Esquecimento, que tenta encobrir a cena incestuosa entre Vênus e Cupido, mas é impedido pelo braço de Saturno, o Tempo. Observamos também uma bela menina estranhamente retratada como sendo uma Quimera: tem corpo de réptil, segurando um favo de mel numa das mãos e na outra, a ponta em aguilhão de sua cauda: o amor é doce, mas fere!

A figura de um menino travesso e bem sorridente trazendo pétalas de rosas, pisa em espinhos, reforçando mais uma vez o caráter ambivalente do amor. E as máscaras no chão, à direita da obra, dirigem-se à Vênus, acompanham todo seu braço direito, depois o esquerdo e terminam no de Saturno, concluindo assim uma espécie de círculo. Consagradas à deusa do amor e da beleza, há ainda duas pombinhas brancas no canto inferior esquerdo.

Tanto a luz serena quanto a suavidade da pintura são típicas de Bronzino. Encomendada como presente para o rei da França, Francisco I, o simbolismo dessa alegoria suscitou acaloradas discussões palacianas.

“A Última Ceia”, Tintoretto (1592-94). San Giorgio Maggiore, Veneza.

Em Veneza, o Maneirismo só apareceu próximo aos meados do século. Seu representante principal, Tintoretto, homem culto mas de costumes simples, era um artista de energia e inventividade prodigiosas, combinando elementos do Maneirismo “anticlássico” e “elegante” em sua obra. Segundo se afirma, ele queria “pintar como Ticiano e desenhar como Michelangelo”.

A última grande obra de Tintoretto, “A Última Ceia” é também a mais espetacular; nega, de todas as formas possíveis, os valores clássicos da versão que Leonardo pintara do tema (AQUI), quase um século antes.

É certo que Cristo ainda ocupa o centro da composição, mas agora a mesa está colocada em ângulo reto com relação ao plano do quadro, de tal forma que sua pequena figura à meia distância só é identificável pela auréola brilhante.

Tintoretto colocou a cena em um contexto cotidiano, enchendo-a de espectadores, recipientes para alimentos e bebidas e animais domésticos. Isso, no entanto, presta-se apenas a estabelecer um contraste dramático entre o natural e o sobrenatural, pois há também espectadores celestiais – a fumaça da ardente lâmpada a óleo transforma-se milagrosamente em nuvens de anjos que convergem para Cristo no momento exato em que Ele oferece Seu corpo e sangue, sob a forma de pão e vinho, a Seus Discípulos.

A principal preocupação de Tintoretto foi tornar visível a instituição da Eucaristia, a transubstanciação do alimento terreno em alimento divino; ele pouco se interessa pelo drama humano da traição de Judas (a minúscula figura na parte de trás, ao lado esquerdo da mesa).

“Cristo e a adúltera”, Tintoretto (1550). Galleria Borghese, Roma.

À esquerda, temos os fariseus, confabulando sobre a pecadora. Cristo está sentado, cercado por alguns de seus apóstolos (identificados pela auréolas) e tem no chão, na verdade na “terra”, diante de si as escrituras, isso porque a “Lei” é para todos.

A jovem e bela mulher, ricamente vestida e adornada, está ao centro, olhando para as escrituras no chão, com os braços abertos e as mãos – uma para baixo e outra para cima – que parecem denunciar surpresa. Ela foi trazida pelos denunciantes que a flagraram e adultério.

O episódio é contado por João 8,1-11. Conta-se que quando ensinava no Templo, Jesus foi apresentado uma mulher que havia sido descoberta cometendo adultério. Lembram a Ele que a Lei diz que tal mulher deveria ser apedrejada e perguntam o que pensa sobre isso.

Jesus não responde e começa a escrever com o dedo na terra. Voltam a questionar e Ele diz: “Quem não tem pecado atire a primeira pedra”. Todos vão embora e Jesus diz à mulher: “Eu também não te condeno. Vai e não peques mais”.

Segundo o Evangelho, Deus repudia o pecado, mas acolhe o pecador de braços abertos, convidando-o à conversão (“Vai e não peques mais!”).

Após as palavras de Cristo, os outros fariseus (à direita) abandonam o Templo. Essa obra é marcada por intensa dramaticidade, alcançada pela utilização de pontos de vista inesperados e perspectivas espantosas, por contrastes intensos de escala e efeitos brilhantes de luz e cor. Tintoretto tornou-se a síntese das energias culturais de Veneza, onde fez uma carreira longa e prolífica.

Em MAIO, além da programação que já consta, vamos conferir de perto essas e outras obras destes exponenciais do Maneirismo! Desfrutemos também da proposta exclusivíssima da Sandra Gorski Rego, AQUI inesquecível!

Enquanto isso, no início de MARÇO nos encontraremos para mais uma Turma do Curso de Mitologia Greco-romana em SP, que nos fornece uma base sólida para toda e qualquer viagem – em todos os sentidos! – pelo mundo.

 

Espero que os amigos tenham apreciado a seleção de Maneiristas e que, diante de uma obra, com conhecimento de causa, possam dizer algo como: “Parece renascentista, mas aqui há uma ‘pegada’ maneirista, já prenunciando o Barroco”. Salotto Cult!

Até nosso próximo Post, quando decifraremos Netuno em nossos mapas e o último (e talvez o maior) pintor Maneirista: o magistral Doménikos Theotokópoulos, El Greco e a análise completa de uma de suas mais famosas obras.

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