moda | estilo | viagens | afins | Consuelo Blocker

Como é morar no Canada?!! Por Cris Medeiros, brasileira, que mora há 15 anos.

morar no canada

Foto Medscape.com

Querido Salotto, há um tempo tenho notado o interesse do mundo pelo Canada.  Amigos no Brasil foram morar lá.  Quando Trump ganhou, o site do governo canadense saiu do ar por excesso de acessos…  Um mundo confuso com futuro incerto leva populações a procurarem novos horizontes…  O Canada é um incognito… A economia parece estar andando bem, parece ter liberdade e oportunidade, não é tão longe assim e tem um primeiro ministro gato de quebra… 😉  

O primeiro ministro do Canada, Justin Trudeau

Mas e a neve?  O frio?  Falar francês E inglês?!!  Eis que me escreve uma leitora carinhosa, Cris Medeiros, e com um estilo de escritura simpático e fluido ela me conta que mora no Canada.  “Eureka!” Pensei.  Que tal pedir para ela nos contar como é viver no Canada para tirar algumas das nossas dúvidas?  Ela aceitou e aqui está a sua história.  Se sobrarem dúvidas ou perguntas práticas e técnicas, Cris responderá nos comentários, ok?

Ah!!!  E se quiserem saber mais sobre Cris, clique AQUI para o seu instagram, Crismontrealcanada, e AQUI para o seu blog  The Optimum Post.

Cris

Dias Brancos por Cris Medeiros

Janeiro em Montreal … Tem dias, como hoje, em que literalmente dá branco. Olho pela janela do quarto, pela janela do carro, do escritório e só vejo branco. Uma imensidão de branco e mais branco. E digo pela janela, porque eu não sou louca de por o pé na rua. Hoje está -25°C, sensação térmica -31°C. Faz diferença??

Em dias assim, até a ida ao supermercado é uma aventura. Na semana passada não conseguia nem sair do carro no estacionamento descoberto: de um lado, o vento não me deixava abrir a porta. Do outro lado, a porta quase voou fora, como arrancada por uma força sobrenatural. E imagina empurrar o carrinho na neve? Sem falar que na meia hora que você passa fazendo compras o carro já foi soterrado e você tem que ficar mais 10 minutos “desenterrando” o veículo! Por isso você tem que andar com uma ferramenta imprescindível no carro: de um lado é uma vassoura, do outro, um raspador de gelo. Ai de quem não tem!

Exercício do dia versão neve

Ir a um evento social no inverno aqui em Montreal exige um ritual tradicional, e um outro acessório indispensável: a sacolinha do sapato, que você leva junto com a bolsa. Você se arruma toda linda e depois se embrulha num casaco que te cobre inteira como uma burca, enfia umas botas de andar na lua e leva seu sapatinho na sacolinha (e aí você capricha na sacolinha pra ficar “chique”). E daí, como tirar as botas e calçar os sapatinhos num lugar público sem perder a pose? Uma arte!

E como manter a “dignidade” do seu hall de entrada se cada um que chega tem que tirar as botas de neve e deixar na porta? Por mais criativa e organizada que você seja (eu bem que tento!), nada resiste a uma invasão de jovens com botas molhadas! E elas raramente são novas e limpinhas…

Essa estética aqui? Só pra essa foto mesmo…

Luvinhas desparceradas – Esses são alguns aspectos pitorescos da vida em Montreal. O inverno até hoje é difícil pra mim, apesar de já morar aqui há 15 anos. Ainda bem que essa fase mais cruel dura só dois meses em geral (janeiro e fevereiro). Meus filhos não ligam. Chegaram aqui pequenos : Ulli 8 anos, Bibi 6, Lipe 5 e Rike 2 (sim, são 4 filhos!!) e logo se acostumaram. Mas eu me lembro do trabalho que dava vesti-los pra escola no inverno quando eram menores… era como levar a turma pra esquiar todo dia: anorak, calça de neve, gorro, botas luvas, gola térmica… Claro que na volta sempre faltava uma parte. Depois de um tempo parei de substituir os inúmeros pares de luvas desfalcados e aderimos à “tendência” das luvas desparceradas. Tem mão direita e esquerda? Tá ótimo, pode ir.

As crianças “embrulhadinhas” para aguentar o inverno do lado de fora

A propósito, a moda decididamente, não é o forte do Canadá. Normal, se você passa a maior parte do ano embrulhada. Ninguém aqui liga muito para o que você veste, o que é outra coisa que os brasileiros estranham. A Consuelo aqui entraria em depressão! Meus filhos, no entanto, não tiveram dificuldade nenhuma para adotar a atitude “casual” dos canadenses. Cada um desenvolveu seu estilo próprio, e não estão nem aí se a gente gosta ou não gosta. Às vezes eu até gosto…

O estilo Ulli (repare nos incontornáveis tapetes de neve. Sem eles, o hall vira uma enorme poça d’agua)

Bibi, continua bem “embrulhadinha ” a -20C

Também depois de algum tempo (na verdade, só depois de um ano e meio) parei de levar os mais velhos pra escola de carro todo dia. Afinal, eles estudavam a sete minutos de casa, e tem um ônibus que passa na frente da minha porta, com ponto a um quarteirão do colégio. Mas eu, recém chegada de São Paulo, nem sonhava em deixar minhas crianças tomarem o transporte público, ainda mais sozinhas! Hoje eu dou graças aos céus pelo sistema de transporte urbano daqui. É totalmente seguro, moderno, limpo e funciona infalivelmente, faça sol, chuva ou muita neve. Por causa disso, as crianças daqui rapidamente adquirem independência de locomoção, e vão sozinhas pras aulas particulares, pros esportes e pros programas. Pra mães que trabalham, é literalmente uma mão na roda…

Demorei um pouco pra me adaptar a esse esquema porque quando chegamos aqui, em 2002, eu andava muito apavorada com a falta de segurança que todo morador de cidade grande brasileira enfrenta hoje em dia. Aliás, essa foi uma das principais razões da nossa mudança. Outra razão importante foi que, além de um ambiente seguro, queríamos dar a nossos filhos a oportunidade de crescer em um lugar onde todos têm os mesmo direitos e oportunidades, onde se respeitam as diferenças e as características próprias dos grupos e minorias. Nesse caso, o Canadá é mesmo o país ideal. O Guibe, meu marido, tinha feito o College aqui em Vancouver, e na reunião de dez anos de formado (em 1987) me trouxe pra visitar. Adorei o país, as pessoas e a cultura. Mas na época não imaginava que um dia nos mudaríamos para cá com a cara, a coragem e quatro filhos pequenos!

Embarcando pro Canada em 2002 (Na sequência Bibi, Lipe, Rike no carrinho e Ulli)

Ganhos e perdas – Até hoje muita gente nos pergunta como fizemos para deixar pra trás uma vida bastante privilegiada no Brasil, família, amigos e mordomias e encarar essa aventura num país ainda tão desconhecido dos brasileiros e com um clima tão inóspito. Naquela época nos pareceu fácil. Além do mais, tínhamos a vantagem de poder trabalhar aqui. Guibe já veio com um contrato com a IBM, como diretor de Pesquisa e Desenvolvimento. Eu, jornalista, fui logo contratada pela CBC, rede nacional de radio, televisão e Internet, para trabalhar na área internacional. Escolhemos um bairro muito bonito – um pouco longe do centro da cidade, mas com muitas vantagens, como as casas espaçosas com grandes jardins, as ruas tranquilas onde as crianças podiam andar de bicicleta, e um imenso lago na porta de casa!

Lago na frente de casa…

que no inverno vira ringue de hockey!

É realmente um grande privilegio viver em uma comunidade onde as escolas são ótimas e baratas (mesmo as melhores escolas privadas são subsidiadas pelo governo provincial), crianças têm assistência médica de primeira linha, os serviços públicos e os direitos dos cidadãos funcionam bem. Só por isso já acho que valeria a pena viver no polo Norte o ano inteiro. Mas o verão de Montreal é uma alegria (que infelizmente dura pouco), com mil festivais – inclusive o famoso Festival de Jazz. Durante o ano inteiro há infinitas opções de esporte e aventura outdoors pra todas as estações, muita atividade cultural e uma intensa vida noturna. O melhor da história, é que você não precisa se preocupar se seus filhos vão chegar em casa sãos e salvos depois da balada, porque aqui não há violência e ninguém ousa beber e dirigir: não só porque as penalidades são super severas, mas porque existe uma enorme noção de responsabilidade civil, que as pessoas aprendem desde crianças.

Por outro lado… bom, por outro lado tem todas as coisas que a gente sacrifica quando transfere a vida para outro país… A Consuelo outro dia disse num post que sofre do “fear of missing out“, que é o medo de não participar e aproveitar de todos os eventos e atividades interessantes que acontecem à sua volta. Eu sofro do “regret of missing out“, que é a melancolia de não mais fazer parte, de não compartilhar dos momentos bons ou importantes da vida com a família ou amigos porque estou longe. E não falo só dos bons momentos, divertidos ou calorosos, dos encontros, das festas e viagens. Falo também dos momentos de dor, de dúvidas e incertezas, enfim, de tudo o que se divide com as pessoas que a gente ama. Não que eu não tenha bons amigos aqui, tenho sim alguns muito preciosos. Mas o contexto é diferente, eu sinto falta das minhas raízes, das minhas referências.

Caretice ou diferença cultural? – Esse sentimento é ainda mais intenso quando me dou conta que muitas dessas referências não significam absolutamente nada para meus filhos, que obviamente têm a sua própria história. E pra eles também às vezes é meio complicado, sobretudo quando Guibe e eu meio que empurramos os nossos padrões pra cima deles – agora bem menos, porque nós também assimilamos o estilo e a cultura daqui, só que alguns hábitos e conceitos são duros de abandonar… Tipo quando você não deixa o namorado da sua filha dormir no quarto dela “como todo mundo deixa”, ou quando você exige que seu filho adote aquelas boas maneiras que você ensinou e ouve “Mãe, você não entende, você não é daqui!” Ui!!!

Mas essa é realidade de toda família de imigrantes e pelo menos meus filhos não se sentem diferentes, porque o Canadá é definitivamente um país de imigrantes. Todos nós convivemos diariamente com gente vinda de todas as partes do mundo, cada um com a sua bagagem, e essa é outra coisa muito especial de viver aqui. Essa mistura de origens, línguas, tradições e ideias funciona muito bem e enriquece a gente. Meus quatro filhos têm três línguas “maternas” (português, inglês e francês) e mudam de uma pra outra com a maior naturalidade, e ainda falam bem espanhol, um pouco de italiano, japonês e mandarim. São cidadão canadenses e sentem o maior orgulho de serem também brasileiros, adoram hockey e futebol e estão sempre por dentro do que acontece no Brasil.

Meus três craques “ensinando” os canadenses a jogar futebol

A família “au grand complet”

Toda essa independência e abertura de espírito tem uma contrapartida – os jovens canadenses vôam cedo… Ulli já vôou, e há dois anos mora em Vancouver, onde é atriz de teatro.

Ulli, a atriz que mora em Vancouver

Bibi que estuda Comunicações, está indo fazer um intercâmbio na USP no mês que vem. Os dois meninos ainda moram em casa, mas já fazem seus planos… E nós também: assim que o ninho estiver vazio, vamos pra um lugar onde não tenha inverno!

Obrigada Consuelo, por dividir comigo esse seu querido Salotto, foi um prazer e uma honra!

Beijo grande a todos!
Cris

Exit mobile version