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ASTROLOGIA & ARTE – Saturno no mapa e Goya por Luciene Felix Lamy – 2ª parte

Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828), por seu amigo Vicente López Portaña (1826). A genialidade de um homem perturbado com a fealdade (feiura), a falta de bom senso, a violência e a insanidade humana.

Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828), por seu amigo Vicente López Portaña (1826). A genialidade de um homem perturbado com a fealdade (feiura), a falta de bom senso, a violência e a insanidade humana.

O autor sobre o qual nos debruçamos – Francisco Goya – será influenciado tanto pelo Maneirismo quanto pelo estilo Barroco, flertará com o estilo Romântico e antecipará o Impressionismo. Sim, suas obras são chocantes! E, para compreendê-las melhor, precisamos contextualizá-las na História, para saber o porquê de Goya ter dirigido severas (e nem tão veladas) críticas ao clero e à nobreza.

“Átropos” ou “As Parcas” (1819/23), Museo del Prado, Madrid. Dando ênfase ao perturbador, ao visceral, ao exuberante, carregado, excessivo, ao teatral, o gênero artístico denominado Barroco traz uma nova mensagem pictórica através de personalidades atormentadas.

O gênero Barroco…

Com o advento das grandes navegações, o Renascimento (já trouxemos ao Consueloblog), que nasceu na Itália, precisamente em Florença, se expandiu por vários países da Europa Ocidental (Holanda, Portugal, Espanha e posteriormente, Inglaterra e França).

Logo após o Renascimento, o breve período entre 1525 e 1600 será denominado “Maneirismo”, do italiano “Maniera” (estilo, no sentido de elegância) e foi um salto, pois mais livre, à maneira do autor. Em seguida, teremos o Barroco.

Considerando que este Post trata de nada menos que do impiedoso deus do Tempo, Saturno (Chronos), elegemos Goya para ilustrá-lo. Mas, onde começou e o que caracteriza o Barroco?

“Saturno devorando seus filhos” (1819/23), Museo del Prado, Madrid. Mas não é isso mesmo o que fazemos, amigos? Geramos os filhos que o Tempo devora? Nesse Goya: “As luzes improvisadas e cortantes, com sombras que se perdem numa escuridão tenebrosa, dão um caráter de dramaticidade incomum às figuras”.

O movimento Barroco começou por volta de 1.600, em Roma, que era o principal centro de convergência de interesses políticos, artísticos e culturais. A cidade eterna era endereço certo, inclusive em relação aos novos estilos também na arquitetura, pinturas e esculturas.

Segundo Adriano Colangelo, o século XVII surge como uma época de crise e de mudanças necessárias para desembocar num novo credo de caráter estético. A Igreja almeja um fervor religioso mais intenso e os artistas respondem a esse anseio dramatizando suas obras.

A Igreja Católica se empenha em recuperar sua autoridade combatendo o protestantismo, reformula-se e expressa novos conceitos através da arte, como nos explica Stephen Farthing: “As estratégias dessa Contrarreforma foram anunciadas durante o Concílio de Trento (1545-1563), que enfatizou a divulgação dos ideais religiosos por meio das imagens, com mais exatidão na representação de narrativas bíblicas e com obras que podiam despertar um fervor religioso renovado”.

“As velhas” (1746). O Barroco é pesado, realista, quer a verdade, o dinamismo, a intensidade, a dramaticidade e para isso se vale da aplicação abundante de luzes e sombras. Goya “Deformou exageradamente as fisionomias e os corpos dos que representam os vícios e torpezas humanas, dando-lhes aspectos bestiais”.

Barroco, segundo os autores H.W. Janson e Anthony F. Janson, é o termo que já vem sendo utilizado há quase um século pelos historiadores da arte, para designar o estilo do período que vai de 1600 a 1750. Seu significado original – “irregular, contorcido, grotesco”.

Da série “Los Caprichos”: “O sono da razão produz monstros” (1797/99), de Goya. Talvez essa seja uma resposta de Goya ao iluminismo e ao pensamento cartesiano: “Cogito ergo sun” (Penso, logo existo!), do filósofo francês René Descartes.

Esse estilo artístico se põe contra as elegâncias e refinamentos maneirísticos da época, abordando a pintura com um incomum senso da realidade. É com ele, o Barroco, que surge o originalíssimo claro-escuro de Caravaggio (técnica chiaroscuro, o sfumato, trazida pela primeira vez por Da Vinci), que abrirá um novo caminho artístico o qual influenciará, mais tarde, Rembrandt e certos elementos artísticos presentes da arte de Goya.

Essa estranha tradição, isto é, de artistas atormentados e inquietos, em clara oposição com a quietude e filosofia renascentistas que foi aberta por Caravaggio é o primeiro grito de dor e de inquietação que será o denominador comum dos séculos XIX e XX.

Breve biografia de um subversivo genial!

“Velhos tomando sopa” (1874). Museo del Prado, Madrid. Para o estudioso da Arte Robert Cumming “Destacar-se da multidão requer grande coragem e individualidade (…) só aqueles dotados de uma visão profunda e que usam a arte não como um fim em si mas como um meio para dizer verdades maiores são os que conseguem criar as obras-primas que resistem ao julgamento do crítico mais severo de todos: o tempo.”

O ariano de 30 de março, Francisco de Goya também começou cedo. Aos 14 anos tornou-se aprendiz de José Luzán (1710-1785) em Saragoça e, mais tarde, foi encarregado de pintar os afrescos decorativos da catedral local. Nesse período, por duas vezes ele teve negada sua admissão na Real Academia de Belas-Artes.

Depois do primeiro sucesso como pintor de gênero em Madri, o jovem Goya foi encarregado de pintar o rei Carlos III. Acabou sendo nomeado pintor da corte por ele e, mais tarde, por Carlos IV. Segundo o estudioso Stephen Farting, Goya raramente falava de lealdades políticas, mas seus quadros são reveladores.

O desenvolvimento de Goya como artista foi lento e laborioso. Tinha 43 anos quando se tornou pintor da casa real. Sua principal influência veio de Velázquez, também retratista oficial da corte espanhola, cujas pinceladas livres, Goya estudou e imitou. Na maturidade, seu próprio estilo de usar os pinceis se tornou tão livre que já antecipava o Impressionismo.

Em 1792 Goya contraiu uma doença parecida com o cólera, que afetaria sua perspectiva e o deixaria surdo. Esse episódio o encheu de compaixão para com o sofrimento alheio, e sua obra tem uma profundidade de sentimento humano poucas vezes encontrada.

Em 1824, o artista finalmente exilou-se deliberadamente em Bordeaux, na França, onde veio a falecer aos 82 anos. Embora a influência de Goya só se tenha feito sentir na França depois de sua morte, sua importância para os pintores românticos franceses foi reconhecida pelo maior deles, Eugène Delacroix, segundo o qual o estilo ideal seria uma combinação da arte de Michelangelo com a de Goya.

Diferente de Bouguereau (AQUI) que somente eventualmente pintou obras perturbadoras, Goya somente eventualmente retratou o sublime, como podemos observar em “A maja vestida” (1803) e, mandando nudes, eis a “A maja nua” (abaixo).

É de Goya o primeiro registro da pintura de pelos pubianos, trata-se da nudez de uma mulher “real”, de verdade. Essas obras ofenderam a sociedade espanhola, que as considerou profanas. A Inquisição abriu processo contra o artista, mas felizmente, perdeu.

Algumas obras….

De Francisco Goya, trazemos uma breve análise da bizarra “A Família de Carlos IV”, o angustiante “Três de Maio de 1808”, que retrata, pela primeira vez, a guerra em sua crueldade, ou seja, sem glórias, sem heróis, somente frios assassinos, homens desesperados e mortos. E uma obra da série de murais intitulados “Pinturas negras” (1819-1823), o famoso “Sabbat das bruxas” (o grande bode), que explicita o quanto o desconhecimento do contexto compromete a compreensão de uma obra de arte.

“A família de Carlos IV”…

Goya absorveu as ideias libertárias do iluminismo; embora fosse um pintor da corte, certamente simpatizava com a Revolução, e não com o rei da Espanha, que se unira a outros monarcas em guerra contra a jovem República Francesa.

Nessa obra, Goya fez da rainha, não do rei, a figura central do quadro e destacou seus dois filhos ilegítimos, produto de sua infidelidade. Para os estudiosos, essa seja talvez uma ironia deliberada com a fraqueza do rei, cujas decisões eram frequentemente frustradas pela força política da rainha, amante do primeiro-ministro.

Observem que a obra lembra “As Meninas” (de Velázquez): todo clã veio visitar o artista, que está pintando numa das galerias do palácio: Goya está lá atrás, no canto superior esquerdo. Como nas obras iniciais, quadros sombrios estão dependurados atrás do grupo e a luz penetra pela lateral.

“A Família de Carlos IV” é de uma modernidade quase chocante, pois a psique desses indivíduos foi revelada por Goya de forma sarcástica, com impiedosa sinceridade.

Se observarmos atentamente, veremos que, empedernidos, os membros da família real parecem fantasmas: embora ele tenha sido até piedoso ao retratar as crianças, constatamos que elas parecem amedrontadas. A imagem apática, o olhar pateticamente alheio do rei e –, num golpe de mestre de humor e sarcasmo – eis a rainha, captada em sua vulgaridade quase grotesca. Observem que, exceto pela riquíssima veste e as ostensivas joias, sua fisionomia revela traços mais “azedos”, mais comuns no baixo extrato social.

Entre o futuro casal Fernando e sua noiva (talvez seu rosto não tenha sido retratado porque ainda não se casara), temos ela, a sogra, numa expressão essencialmente desconfiada, eu diria, até “má”. Reparem que o próprio Goya se autorretratou logo atrás.

Estudiosos se perguntam: “Como é o que a família real tolerou tal coisa? Estariam tão deslumbrados com a pintura esplêndida de seus trajes que não perceberam o que Goya havia feito com eles?” Boa pergunta para o Salotto!

“Três de Maio de 1808”…

“Três de Maio de 1808”, Museo del Prado, Madrid. A obra evoca a impiedosa execução de cidadãos madrilenos quando as tropas de Napoleão invadiram a Espanha. Explicita o horrendo espetáculo que, infelizmente, será encenado inúmeras vezes ao longo de toda a história moderna: “Com sua sensibilidade e visão de gênio, Goya criou uma imagem que se tornou um terrível símbolo de nossa era”.

Goya e muitos de seus compatriotas esperavam que os conquistadores trouxessem as reformas liberais que se faziam tão urgentes. Mas o comportamento selvagem das tropas francesas esmagou essas esperanças e gerou uma resistência popular de igual selvageria.

Detalhe do frade, que traz as mãos em oração e cônscio de que será alvejado. A arma é a baioneta, pois após os tiros, se a vítima não morresse, era perfurada: “Até hoje este quadro é uma visão universal da desumanidade do homem para com o homem”, aponta Robert Cumming.

Aqui, as cores vivas, as pinceladas generosas, fluidas e a dramaticidade da luz noturna são mais enfáticas do que nunca: “A pintura tem toda a intensidade emocional da arte religiosa, mas esses mártires estão morrendo pela Liberdade, e não pelo Reino do Céu; seus carrascos, além do mais, não são agentes de Satã, mas da tirania política – uma formação de autômatos sem rosto, insensíveis ao desespero e revolta de suas vítimas”.

Depois da derrota de Napoleão, a monarquia espanhola restaurada trouxe consigo uma nova onda de repressão, e Goya mergulhou cada vez mais num universo individual de visões dantescas.

Sobre o grande bode: denunciando um descabido preconceito…

“El Aquelarre” ou “Gran Cabrón”: trata-se de uma das pinturas a óleo da coleção chamada “Pinturas Negras”, que decoraram os muros da casa de Goya (1819/23). O “Sabbat das bruxas” (acima) encontra-se no Museo Lázaro Galdiano.

Segundo os especialistas, embora inspiradas em provérbios e superstições populares, muitas dessas cenas sombrias e violentas são um desafio a uma análise precisa. Pertencem ao domínio do horror subjetivamente vivenciado pelo artista.

Como digo, prepare-se para enxergar tudo o que vê! Estamos na Espanha do século XVII, ativa, a Inquisição “se joga” na caça às bruxas, tidas como adoradoras do “tinhoso”. Cônscios disso, compreendemos melhor toda a ironia do magistral Francisco GOYA em protestar quanto aos desmandos da Inquisição, denunciando o absurdo que é essa infundada perseguição por puro fanatismo religioso.

Relatos de encontros noturnos de mulheres para fins de bruxaria eram comuns entre a população rural. Essas obras refletem o desdém do artista na superstição popular e o retorno liderado pela igreja para medos medievais, explorados para ganho político e econômico.

Na obra acima, ao centro, temos diabo, personificado na figura de uma enorme cabra negra, coroada com uma guirlanda de folhas de carvalho e cercado por um bando de “adoradoras” desfiguradas. No alto e ao meio, morcegos sobrevoam o demônio.

Bruxas jovens e idosas, em uma paisagem estéril enluarada. Observem que a Lua está em fase Minguante, ocupando o canto superior da tela. A cabra/diabo possui grandes chifres e parece estar presidindo uma cerimônia macabra. A superstição popular da época acreditava que o tinhoso alimentava-se de criancinhas, bebês e fetos humanos.

Por conta disso, o que parece esqueletos de três crianças também podem ser vistos dependurados no canto superior esquerdo. A mulher sentada no canto inferior direito oferta uma criança, enquanto a outra, de boca aberta como quem profere algo, entrega-lhe um bebê. A mulher de costas, ao centro e abaixo da obra, está debruçada sobre o corpo inerte de uma criança, da qual vê-se somente as pernas e os pés.

Sem dúvida, ainda que irônica, a obra é mesmo perturbadora. E perfeita para, ao prescrutar comentários, apreender sobre os valores morais dos observadores. E… Só mais um Goya, posso?

“St. Francis Borgia no leito de morte de um impenitente” (que não mostra arrependimento, cercado de demônios). O moribundo está cercado por demônios, da cruz jorra o sangue de Cristo, provavelmente para purificá-lo.

Considerando que para uma boa fruição da obra de arte devemos atentar: ao tema, à técnica utilizada, ao simbolismo presente na obra, ao preenchimento do espaço e utilização da luz, ao contexto no qual o estilo histórico se insere e à interpretação pessoal do artista, GOYA surpreendeu em todos os quesitos e se tornou digno de figurar no panteão dos grandes gênios dos pincéis.

Bem, apesar de dramático, espero que tenham apreciado o Post, amigos. Aguardem, em breve, os três planetas trans saturninos (porque estão além de Saturno): Urano (imprevisível), Netuno (perfeito para trazermos o “Maneirismo”) e Plutão (com o Barroco do magistral Gian Lorenzo Bernini na escultura).

Deixo aqui a indicação do maravilhoso filme “Sombras de Goya”, dirigido por Milos Forman, com Natalie Portman, Javier Bardem e Stellan Skarsgard, interpretando Francisco de Goya.

Aqui o filme.

Se não conseguir abri, por favor clique AQUI.

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