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Da carta ao blog: lições da escrita

Nossa querida amiga do Salotto, Cris M. Zanferrari, nos delicía com outro texto lindo!!  Em seu blog, Mania de Citação (clique AQUI)  e Instagram, Prosa e Poesia (AQUI), vocês encontrarão mais escrituras e imagens com a sua marca registrada, a sensibilidade!  

Da carta ao blog: lições da escrita

Cris M. Zanferrari

“Se és feliz, escreve;
se és infeliz, escreve também.”

Machado de Assis

 

Faz poucos dias, concluí a leitura de um livro de cartas. Sim, sei que é no mínimo curioso que alguém se interesse por ler uma carta que não lhe foi endereçada. Por isso, explico: trata-se de cartas redigidas pelo ilustre escritor Mário de Andrade e destinadas a outro dos grandes: Carlos Drummond de Andrade. E o interesse vem do fato de que sempre há o que aprender com os grandes. Ou simplesmente, com os outros.

“A lição do amigo: cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade” me fez pensar, uma vez mais, na razão pela qual alguém escreve. Já li muitos artigos, já assisti a inúmeras entrevistas, já vi muitos escritores justificarem, cada qual à sua maneira, o que os leva a escrever. São motivos os mais diversos, os mais criativos, os mais existenciais possíveis. Longe está de se encontrar uma unanimidade nos depoimentos. Mas a franqueza de Mário ao amigo Drummond acende uma luz. Diz ele: “Estou criança e só o carinho me dá prazer e sossego. As minhas cartas são todas nesse sentido, pedidos de carinho.” Daí que quem escreve, escreve para satisfazer uma carência.

Mas não vá logo o leitor se apiedando do ser carente que escreve, porque por trás dessa carência há também uma presunçosa vaidade, que consiste em pensar que o que se escreve pode ter alguma serventia para quem lê. Ou seja, o texto escrito pode bem preencher as carências alheias. É o próprio Mário quem o diz: “[…] ter coragem das suas próprias besteiras me parece neste caso muito útil pros outros.” E, sim, escrever exige sempre uma certa coragem, porque sempre há o risco de o texto fugir ao sentido original, àquele que se pretendeu no momento mesmo da escrita, e aí então é como um parir um filho que não saiu aos seus.

Ok, talvez eu esteja exagerando, mas o que quero dizer é que sempre que alguém escreve _ e estão aí incluídos os mais diversos tipos de texto: cartas, livros, teses, jornais, revistas, anúncios, blogs e um universo mais_ é para chamar a sua atenção. É para estabelecer alguma forma, qualquer que seja, de contato, de comunicação. De ponte. Só alcançamos o outro quando nos dirigimos a ele e ele nos devolve __ o seu olhar, a sua escuta atenta, o seu precioso tempo. Quem escreve é como quem fala: lança palavras para que elas ecoem. Sem eco e sem resposta, somos crianças buscando um carinho. Somos todos carentes.

Mário escrevia cartas pela mesma razão que escreve um qualquer escritor, jornalista ou blogueiro. Mário escrevia cartas para se sentir vivo, mas sobretudo para se sentir gente. É que o ser humano só se reconhece como verdadeiramente humano quando se relaciona com os outros. Até mesmo, e muito, por escrito. Quem escreve, escreve para se aproximar, para aplacar a sua, a nossa tão humana solidão. Escrevemos para estarmos mais próximos uns dos outros. E de nós mesmos.

Sim, porque o autor de Macunaíma também faz ver que escrever é, fundamentalmente, um exercício de autoconhecimento. Pensamos estar escrevendo para o outro quando, na verdade, escrevemos para nós mesmos. Deve ser por isso que é tão terapêutico (e recomendável) manter um diário. Quem assistiu a Escritores da Liberdade, filme baseado em uma história real, deve lembrar o quanto foi transformador e catártico, para aquela turma de alunos marginalizados, o uso da escrita como reescrita da própria história. Escrever nos reorganiza, nos confronta, nos liberta. É Mário, ainda outra vez, quem diz: “[…] estes raciocínios são mais pra mim que pra você mesmo. […] a maioria das cartas que escrevo são pra mim mesmo. É que desde muito ando completamente desguaritado de mim mesmo e carecendo me reachar.”

Nem todos seremos escritores, missivistas, jornalistas ou blogueiros. E só muito poucos serão grandes. Ainda assim é fato que sempre há o que aprender uns com os outros. Sempre há o que revelar-se a si. Por isso se escreve. Por isso se lê. E por isso se aprende: tudo na vida é lição.

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…”quem escreve, escreve para satisfazer uma carência.”   Que lindo!!!  Há mais sobre o livro citado no texto no lindo Mania de Citação (clique AQUI), o lindo blog de Cris!
Obrigada!

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